domingo, 8 de novembro de 2009

10º Cap. Flight of the angel

Sombria paz nessa manhã renasce,
O sol, horrorizado, oculta a face.
Vamos, a muito se tem a falar.
Uns a punir, outros a perdoar.
Nunca história mais triste aconteceu.
Como essa de Julieta e seu Romeu

(William Shakespeare)

Shakespeare narrara aquela manhã com este trecho. Quando abri os olhos naquela manhã, percebera que não era um pesadelo, havia mesmo acontecido. Tomei um demorado banho, ainda querendo que meus olhos estivessem mentindo para mim.
Se eu soubesse que terminaria desse jeito, eu mesmo teria impedido antes, mas quem ia imaginar...

[Sábado – Escola 8:00 am]

_Mari, você acha que o Daniel está se comportando na escola do Ari? Eu ando tendo uns sonhos tão esquisitos...
_Acho que sim, pelo menos eu não vejo o Ari falando sobre isso.
_É isso é.

[celular tocando]
_Vixi Mari, é o Felipe o que eu faço?
_Pede para ir ao banheiro ué!

Do lado de fora da sala, eu retornei a ligação pro Felipe.

_Que que foi amor?
_Nada de mais, eu só queria dizer, que hoje na saída, nós vamos passar pra buscar o Ari na escola.
_Eu achei que o Lucas fosse.
_Então, ele falo que não vai dar, pediu pra eu buscar ele, e falo que depois a gente se encontra la no shopping.

_Ah ta, a Mari vai com a gente ou a Bella vai passar pra busca-la?
_Então, a Bella vai passar aí.
_Ok amor.
_Até mais bebê, te amo.

Havíamos combinado de ir ao shopping, todos: Eu e Felipe, Ariel e Lucas, Mariana e Isabella. Voltei para a sala de aula, e expliquei para a Mari o que o Felipe havia dito. Desde que eu comecei a sonhar com um anjo conversando com o Ariel, e o levando embora, eu constantemente tinha sensações de angústia, mas não achei que fosse algo de mais.
Quando passamos pela escola do Ari, lá estava, do lado de fora do portão, Daniel, com mais quatro mlks, fazendo rodinha em um garoto que provavelmente estava a algumas séries abaixo. Não ouvi o que aconteceu, mas na hora que o Daniel e os amigos seguraram o garoto para esvaziar os bolsos dele, o Ari chegou, falou alguma coisa, e os mlks deixaram o garoto ir embora, mas o Daniel saiu com uma cara de quem não havia gostado nada do que o Ariel tinha dito. Saiu batendo pé, com os amigos em seus calcanhares. Quando ele chegou ao carro:

_Oi cunhadinho
_Oi Ari 
_O que aconteceu ali na frente Ariel? - Perguntou Felipe
_Ah, só o Daniel e os amigos querendo encher o saco do garoto lá.
_Mas o que você disse para eles deixarem ele em paz?
_Bom, eu disse que o Daniel estava sendo monitorado por todos os funcionários da escola, e que qualquer deslize ele podia ser expulso ou dependendo da gravidade da situação, preso.
_Mas...como você sabe disso?
_Não sei, eu inventei, pelo menos funcionou.

Ele havia sido inteligente, e pensou rápido. Confesso que senti um pouco de inveja, eu nunca consegui trabalhar sob pressão.
O Felipe me deixou em casa, e falou que dalí há uma hora estaria passando para me pegar para irmos ao shopping . Ele e Ariel foram para casa. Minha mãe havia ido viajar. E estávamos novamente em casa apenas eu e a faxineira.
Aproveitei o tempo para tirar um cochilo de trinta minutos, e depois tomar banho. Tirei os tênis dos pés, joguei-os ao lado da estante do computador, virei de frente para meu guarda-roupas, e tirei a camiseta, e fiquei com a bermuda que eu havia usado na escola.
Adormeci rápido. Sonhei que estava num lugar escuro, onde o chão era feito de concreto, não via nada adiante, apenas sangue, andei um pouco, e mais a frente, vi Ariel com as mãos estendidas para o alto, encostando-as , no rosto de um anjo, que o puxava e o colocava em seus braços, e o levara embora. Acordei desesperado, suando e ouvindo o celular tocando do meu lado.

_alô...
[sonolento]
_não acredito que você dormiu
_já to indo pro banho amor
_tá bom...e mania de se atrasar ein. O pessoal já está aqui. Eu liguei pra avisar que estamos saindo daqui para ir te buscar.
_ta bom, ta bom, eu tomo um banho de três segundos.
_ta bom, vai la, te amo!
_também.


Fui para o chuveiro, ainda atordoado com o despertar. Saí do banho logo que a buzina dos carros soaram no portão da minha casa.
Desci, e lá estavam, Mari, Isa, Lucas e Ariel no carro do Lucas. E o Felipe no carro dele me esperando.
Fomos ao shopping. No meio do caminho, eu vi pela janela do carro, ali, do outro lado da rua, em frente a um beco, formado por dois altos prédios comerciais. Daniel, conversando com um cara alto, cabelos escuros e crespos, uma cara de encardido, Tênis furado, bem no dedão. Pensei, “boa coisa não deve ser” mas depois me convenci de que não podia ser nada de mais, afinal, ele deve ter a vida dele. Deus sabe o quão enganado eu estava...
Passamos uma tarde muito gostosa, depois do shopping, fomos ao parque. Vi Lucas sujar a testa com o sorvete, ví a Mari cair de patins e até convenci o Felipe de comer algodão doce.

_Yan, segunda, você podia me buscar na escola né!?
_Ta bom Ari eu vou sim.
_aee, qual é? Não vai mais querer que seu namorado te busque?
_ah Luc, é que eu queria passar mais tempo com meu cunhadinho

_só não tenho ciúmes porque o Yan é meu amigo
_e ter ciúmes de que ué?

_nada não meu lindo.



O Felipe ainda estava se acostumando a ver seu priminho namorando o Lucas. Então nem disse nada.
Segunda-feira, saí mais cedo da escola, e fui direto pra escola do Ari, não era longe da minha. Mas ao chegar lá, entrei em estado de choque. Parte da escola pegando fogo, alunos correndo, gritaria, e para piorar...tiros!
A policia estava chegando, ouvi pelo barulho das sirenes de longe. Tomado por um sentimento desesperador, entrei na escola, a porta da frente, arrombada, e os alunos correndo. Ao chegar no pátio, deparei-me com uma cena extremamente assustadora. Sangue por todo o chão, alunos atirados desanimados, alguns alunos atrás de mesas emborcadas perto da cantina, e mais para perto do corredor, que dava acesso as salas de aula, Daniel com mais dois mlks segurando armas. Eu vi a hora em que ele segurou uma professora pelo cabelo, e atirou!
Desesperado corrí para trás de uma mesa. E lá encontrei Ariel, fazendo um curativo improvisado com a manga da camiseta na perna de um colega.

_Ari o que ta acontecendo?
_O Daniel enlouqueceu Yan, ele entrou atirando nos alunos, colocou fogo no vestiário perto da quadra...Yan, ele atirou em todos que via pela frente...


Ari estava com o rosto inchado, e chorava ao dizer isso. Recomeçaram os tiros.

_A policia já chegou Ari. Daqui a pouco isso acaba, mas precisamos ter calma.

Tudo aconteceu muito depressa, de uma das barricadas feitas de mesas que protegiam os alunos. Um garoto pequeno, provavelmente do ensino fundamental, saiu correndo, num momento de distração dos garotos armados. Ariel correu em direção dele, e se jogou em cima do menino, logo em seguida, foi atingido nas costas por um tiro.
O marginal riu quando viu quem havia acertado, e o garoto, que havia sido protegido, correu para trás de uma mesa novamente, e chorava desesperado. Aquele momento congelou, eu não sabia mais nem onde eu estava, só lembrava do meu sonho...
Depois de mais dez minutos de desespero dos alunos, a policia conseguiu conter os marginais. As ambulâncias haviam chego, mas já era tarde de mais.
Eu corri em direção ao corpo do Ariel, o segurei entre os meus braços, e tentei reanimá-lo, a bala havia atingido seu pulmão, ele sangrava muito. Debrucei-me no corpo dele, e chorei desesperado, como se minhas lágrimas fosse acordá-lo. Fui com ele ao hospital dentro de uma ambulância, esperançoso de que algum médico fosse acordá-lo. Mas não aconteceu. Levaram o corpo, e eu liguei para o Felipe...
Ele chegou ao hospital com Mari, Bella...e Lucas. O Lucas estava desesperado, perguntando pelo Ari, o Felipe, com uma cara inchada de quem chorara muito, dei a notícia fatal...Ari falecera. Lucas ajoelhou no chão da recepção do hospital, chorou, e gritou, Mari e Bella se abraçaram e choraram, eu fui logo abraçado pelo meu namorado, que afagou minhas lágrimas, mas também estava arrasado. No dia seguinte, eu estava me arrumando para o enterro do Ariel. Eu iria declamar um discurso em sua homenagem, eu não acreditava, não queria acreditar. Coloquei uma camisa preta, e uma calça jeans escura. Ao cegar no velório, notei que Lucas estava com a mesma roupa do dia anterior, os olhos inchados e vermelhos, debruçado sob o caixão branco do Ari. Passamos uma hora interminável antes de levar o caixão para enterrar. Eu nunca vira meu namorado chorar tanto. E notei a ausência dos pais do Ari. O garoto que o Ari deu a vida para proteger, estava lá com a família. Comecei o discurso...

Hoje, nós perdemos uma pessoa que além de pura, era extraordinariamente corajosa. Muitos, deixariam que o pior acontecesse, mas ele não. Ariel, é nome de um anjo, e nessa noite o nosso Ariel, provou ser um. Deus o levou para junto de sí, hoje sentimos essa dor e essa angustia mas não devemos pensar que perdemos uma pessoa querida, e sim, que tivemos o prazer de conhecer um verdadeiro herói

Ao terminar, eu estava tão arrasado, que a única coisa que eu queria era abraçar o meu namorado.
Levamos o corpo dele, e ao enterrar, o Felipe teve que segurar o Lucas, que gritava e chorava.

_NÃO O MEU BEBÊ, ME LEVA NO LUGAR DELE, POR FAVOR! NÃO FELIPE ELES VÃO COLOCAR ELE DENTRO DAQUELE BURACO, EU NÃO POSSO DEIXAR. ME LARGA...

Foi desesperador, eu não suportava aquilo. Fui até o Lucas, o abracei, e disse baixinho no ouvido dele.

_O deixe ir em paz Luc, ele te ama muito, e sempre vai amar.



Eu chorei abraçado com ele. Eu estava desnorteado. Não sabia o que fazer...
A única coisa que eu sabia, era que mais do que nunca, o Lucas iria precisar de todos nós. Além disso, eu conheço o meu namorado, ele não falou uma palavra se quer dês do velório, e eu sabia que ele estava se culpando, e sofrendo internamente. Gostaria que meus olhos fossem mentirosos...